Prisões por porte de maconha
- Robert Silva Advocacia
- 20 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de out.
Kimberly Cesar, advogada criminalista e especialista em Direito Penal e Processual Penal
Mutirão do CNJ para revisar prisões por porte de maconha é passo essencial na correção de injustiças no sistema penal
Durante o mês de julho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza um mutirão nacional com um objetivo claro e urgente: revisar os casos de pessoas presas exclusivamente por portar maconha para consumo pessoal. Trata-se de uma medida que integra a política nacional de desencarceramento e que busca corrigir distorções históricas na aplicação da Lei de Drogas no Brasil.
A medida atende determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no ano passado, afastou o enquadramento criminal do porte de maconha para uso pessoal, demandando que o CNJ coordenasse mutirões para revisão das condenações por tráfico de drogas em que as pessoas tenham sido detidas com menos de 40 gramas ou 6 pés de maconha. Outros critérios a serem observados são a ausência de posse de outras drogas e a ausência de outros elementos que indiquem possível tráfico de drogas.
Na prática, o que está em pauta é o reconhecimento de que a atual interpretação da legislação tem levado muitas pessoas — principalmente jovens, negros e moradores de periferias — a sofrerem as consequências mais severas do sistema penal por condutas que, na maioria das vezes, têm um caráter muito mais social do que criminoso.
Por que essa revisão é tão necessária? Porque estamos lidando com uma realidade em que cidadãos são condenados e privados de liberdade sem que haja provas consistentes de tráfico de drogas. O simples porte de pequenas quantidades de maconha tem sido, há anos, tratado com extrema rigidez por parte das autoridades, em um processo de criminalização que desconsidera fatores sociais, contextuais e, principalmente, a ausência de critérios objetivos na própria legislação.
Esse é, aliás, um dos grandes problemas da atual Lei de Drogas: ela não estabelece uma quantidade mínima que diferencie o usuário do traficante. Essa lacuna legal abre espaço para decisões baseadas em interpretações subjetivas. Muitas vezes, a avaliação fica a cargo do policial que realiza a abordagem ou do juiz responsável pelo julgamento, levando em consideração elementos como forma de acondicionamento da droga, local da abordagem e, infelizmente, até mesmo o perfil social do acusado.
É comum que jovens sem antecedentes criminais, surpreendidos com pequenas porções de maconha, sejam tratados como traficantes apenas por estarem em determinados bairros ou por não conseguirem comprovar de imediato a destinação da droga. O resultado é um sistema carcerário ainda mais superlotado, com pessoas cumprindo penas injustas e desproporcionais.
A iniciativa do CNJ, portanto, é um avanço que precisa ser reconhecido e ampliado. Não se trata de fazer apologia ao uso de drogas, mas de garantir que o sistema de justiça seja mais coerente, proporcional e respeitoso aos direitos fundamentais. Rever essas prisões significa, sobretudo, devolver dignidade a milhares de pessoas que, hoje, estão privadas de liberdade sem que haja um real fundamento jurídico que justifique essa restrição tão extrema de um direito constitucional básico: a liberdade.
Além disso, a medida abre espaço para um debate mais profundo sobre a necessidade de reformas estruturais na política de drogas brasileira. Um debate que envolva não apenas juristas e operadores do direito, mas também sociólogos, psicólogos, profissionais da saúde e toda a sociedade civil.
Como advogada criminalista, vejo diariamente os impactos devastadores de decisões penais equivocadas na vida de indivíduos e de suas famílias. Por isso, iniciativas como essa são fundamentais para que o Judiciário atue não apenas de forma punitiva, mas também como agente de reparação de injustiças.
Que este seja apenas o primeiro passo de uma caminhada longa — mas necessária — rumo a um sistema penal mais justo, humano e equilibrado.
Sobre a autora:

Kimberly Cesar é advogada criminalista, especialista em Direito Penal e Processual Penal, com atuação voltada à defesa de direitos fundamentais e à promoção de justiça social.
e-mail: robertsilva.advocacia@gmail.com
Instagram: @kimberlycesar.adv
Link do artigo completo: https://leadnoticia.com.br/noticia/3315/mutirao-do-cnj-para-revisar-prisoes-por-porte-de-maconha




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